sábado, 22 de novembro de 2008

Um povo é o que um povo come

Responda rápido: para entender a história de Minas Gerais, o que um pesquisador deve estudar? Se você incluir na sua resposta grandes fatos históricos, como a descoberta do ouro, a Inconfidência ou criação de Belo Horizonte, não está errado. Mas além de tudo isso os historiadores se preocupam com outras coisas que dificilmente viriam à nossa mente, pelo menos em um primeiro momento. Quer um exemplo? Queijo.
Nas últimas décadas, os historiadores, que desde muito tempo vêm estudando os costumes dos povos tanto quanto as grandes revoluções e as guinadas na economia, chegaram a uma conclusão. Saber como um povo se alimenta diz muito sobre ele. A comida pode ajudar a explicar quem somos, de onde viemos e o que valorizamos. Não é pouco, é?
No Brasil, o assunto só recentemente tem ganho algum destaque. Na Europa, principalmente na França – não à toa famosa pelos seus gourmets – a comida saiu do fogão e foi parar no meio acadêmico há muito tempo.
Segundo pesquisadores da área, um povo pode abrir mão de muitas outras coisas. O último traço que perde, porém, é o modo de se alimentar. Foi isso que a nutricionista Juliana Cristina Reinhardt comprovou em sua tese de doutorado, sobre as tradições alimentares que se mantêm até hoje entre os alemães luteranos que vivem em Curitiba.
O estudo é uma análise do processo de permanência desse povo no Paraná. “A comida foi importante para que eles resistissem aos diversos momentos de insegurança por que passaram. O alimento age como algo que reestrutura nossa identidade, mesmo que estejamos fora do nosso país”, diz Juliana.
No caso dos alemães, a broa de centeio foi a principal receita que se manteve, principalmente no período das duas grandes guerras e durante a nacionalização no Brasil, quando os alemães tiveram de abandonar os trajes típicos, a língua e as músicas tradicionais. “Eles passaram a ser vistos como inimigos, por isso não podiam demonstram publicamente que eram alemães. Dentro de casa, porém, no meio privado, ele mantiveram a produção de comidas típicas. O que, ao meu ver, serviu como resistência de todo o processo pelo qual eles passavam”, explica.
Como a broa de centeio hoje é o carro-chefe de algumas panificadoras, entre elas a Padaria América – uma das mais tradicionais de Curitiba –, o alimento foi considerado o primeiro patrimônio gastronômico e cultural da cidade.
Não são só os historiadores que chegaram à conclusão de que a comida pode ser importante para a cultura do país. Os próprios órgãos do governo já entenderam isso. Desde 2000, por meio de um decreto presidencial, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem reconhecido como bens imateriais, de importância para a cultura brasileira, a arte de fazer determinados alimentos.
Os registros são feitos a partir de pedidos da própria comunidade e o processo de análise não dura menos de dois anos – por isso ainda há poucos registros envolvendo comida no Brasil. O último aprovado, o único deste ano, foi o modo de fazer o famoso queijo minas. A produção artesanal do queijo constitui um conhecimento tradicional e um traço marcante da identidade cultural das regiões serranas de Minas Gerais.
O processo de registro demorou cinco anos. “Um dos elementos que determina o registro é a continuidade histórica do ofício. Pensamos em algo mais amplo do que o produto em si, mas a associação dele aos saberes de determinada comunidade”, afirma a técnica do Iphan Ana Lúcia Gomes, da gerência de registros. Além do queijo minas, foram registrados como bens imateriais o ofício das baianas de acarajé (prática tradicional de produção e venda em tabuleiro das chamadas comidas de baiana) e o ofício das paneleiras de goiabeiras (neste caso, a produção artesanal das panelas de barro). “O processo que estamos analisando agora refere-se aos sistemas culturais associados ao caju”, diz.
portal.rpc.com.br/gazetadopovo

0 comentários:

  ©Template by Dicas Blogger.

TOPO